Fome
“Mãe, tenho fome!”. Eu sei, eu sei. Coitado do puto, ainda não comeu nada de jeito hoje. Devorou um prato de sopa que devia ter quase uma semana, de certeza que estava azeda, e um naco de pão recesso e nem reclamou. São quase cinco horas, o melhor é dar-lhe qualquer coisita para lanchar, eu sempre posso enganar o estômago com um café e uns cigarros e depois logo se vê. Tenho massa e salsichas, faço um esparguete aldrabado para jantar. O orçamento está limitado, tenho 3 euros e o pai dele não aparece, aquele malandro, saiu de manhã e não disse ai nem ui, pouco me importa desde que traga dinheiro para alimentar o nosso filho, nosso é como quem diz, que ele é muito mais meu do que dele.
Este puto é bestial, nunca está triste e nunca se queixa. Até parece uma pessoa grande, está-me sempre a dizer para não fumar tanto e que gosta muito de mim. Chama-me mãezinha. Noutro dia é que não gostei, quando me disse que devia trabalhar. Trabalhar! Eu quero é que ele estude e se forme para ser alguém na vida e para que tenha da vida mais alguma coisa do que eu, que tirando a ele não tenho mais nada a não ser preocupações.
Quando choro à noite tentando abafar os soluços entre a almofada, não sei como é que ele ouve, mas ouve sempre e vem sempre Ter comigo. Pergunta se pode dormir comigo, eu digo-lhe que já não tem idade mas ele insiste, e eu gosto, claro que gosto de sentir aquele corpo pequenino dono de uma cabecinha tão grande, que ainda posso proteger. É o meu amor, o meu único e derradeiro amor...
A minha mãe ensinou-me a fechar os olhos e a imaginar que estou a comer exactamente o que me apetece. Neste momento, por exemplo, estou a comer um pão com manteiga e imagino o sabor de uma bola de berlim. “Mãezinha, não tens fome?”. A minha mãe come muito pouco, ela diz que não tem fome, mas eu sei que é porque não tem dinheiro. Ainda à pouco a vi contar os trocados que tinha para pagar o lanche e o café, baixinho mas eu ouvi-a. É tão bonita a minha mãe mas está muito magrinha, parece um periquito a comer e trabalha muito lá em casa. Anda sempre com uma tristeza qualquer no olhar, ainda não consegui decifrar a causa mas desconfio que seja pelo meu pai, que nunca está em casa e quando está passam o tempo a discutir. A minha mãe passa o tempo todo a chamar-lhe malandro, a dizer que não tem juízo e “livra-te de seres como ele, que me davas um desgosto!”. Eu quero dar muitas alegrias à minha mãe, quando trabalhar vou encher o frigorífico de comida, nem que seja para ela comer por não resistir à tentação. E vou comprar também um aquecedor que lhe aqueça as mãozinhas que são quase iguais às minhas, para ela não se queixar mais das frieiras no inverno e possa costurar à vontade.
Eu sei que o dinheiro lá em casa não é muito. Sou o mais magrinho e pequenino da minha turma mas não me importo. Além de que nunca passei fome a sério, isso não, a minha mãezinha não deixa, “nem que tenha eu de passar fome”, diz ela e é o que faz, que eu sei. Do meu pai é que não sei nada. Sai de manhã e às vezes passam-se dias em que nem põe os pés em casa, para desespero da minha mãe. Ela que já fuma tanto, nessas alturas então... e faz-lhe tão mal, “tu nunca toques num cigarro, ouviste? Por mim...”. Mãezinha, eu por ti faço qualquer coisa, mas fumar fazia de mim estúpido e isso eu não sou. Acho que devia trabalhar, afinal já tenho nove anos, e sempre ajudava alguma coisa, mas tu dizes sempre que não, “estás tolinho! vais é estudar e tirar um curso, vá promete”. Eu prometo, sim, gosto de estudar e aprender coisas mas...”mas nada. Vais estudar e acabou!”, diz ela.Às vezes, à noite, oiço a minha mãezinha chorar. Vou ter com ela e ela logo disfarça, “constipei-me”, mas eu sei que não está constipada, que está a chorar. Pergunto-lhe se posso dormir com ela, “não estás grande?”, não, e sei que ela gosta, abraça-me e embala-me como se fosse pequenino outra vez, e chama-me "“eu amor"” Às vezes sinto-me muito feliz, muito mais quando ela sorri porque também está feliz... A minha mãezinha fica tão bonita quando sorri!!
Este puto é bestial, nunca está triste e nunca se queixa. Até parece uma pessoa grande, está-me sempre a dizer para não fumar tanto e que gosta muito de mim. Chama-me mãezinha. Noutro dia é que não gostei, quando me disse que devia trabalhar. Trabalhar! Eu quero é que ele estude e se forme para ser alguém na vida e para que tenha da vida mais alguma coisa do que eu, que tirando a ele não tenho mais nada a não ser preocupações.
Quando choro à noite tentando abafar os soluços entre a almofada, não sei como é que ele ouve, mas ouve sempre e vem sempre Ter comigo. Pergunta se pode dormir comigo, eu digo-lhe que já não tem idade mas ele insiste, e eu gosto, claro que gosto de sentir aquele corpo pequenino dono de uma cabecinha tão grande, que ainda posso proteger. É o meu amor, o meu único e derradeiro amor...
A minha mãe ensinou-me a fechar os olhos e a imaginar que estou a comer exactamente o que me apetece. Neste momento, por exemplo, estou a comer um pão com manteiga e imagino o sabor de uma bola de berlim. “Mãezinha, não tens fome?”. A minha mãe come muito pouco, ela diz que não tem fome, mas eu sei que é porque não tem dinheiro. Ainda à pouco a vi contar os trocados que tinha para pagar o lanche e o café, baixinho mas eu ouvi-a. É tão bonita a minha mãe mas está muito magrinha, parece um periquito a comer e trabalha muito lá em casa. Anda sempre com uma tristeza qualquer no olhar, ainda não consegui decifrar a causa mas desconfio que seja pelo meu pai, que nunca está em casa e quando está passam o tempo a discutir. A minha mãe passa o tempo todo a chamar-lhe malandro, a dizer que não tem juízo e “livra-te de seres como ele, que me davas um desgosto!”. Eu quero dar muitas alegrias à minha mãe, quando trabalhar vou encher o frigorífico de comida, nem que seja para ela comer por não resistir à tentação. E vou comprar também um aquecedor que lhe aqueça as mãozinhas que são quase iguais às minhas, para ela não se queixar mais das frieiras no inverno e possa costurar à vontade.
Eu sei que o dinheiro lá em casa não é muito. Sou o mais magrinho e pequenino da minha turma mas não me importo. Além de que nunca passei fome a sério, isso não, a minha mãezinha não deixa, “nem que tenha eu de passar fome”, diz ela e é o que faz, que eu sei. Do meu pai é que não sei nada. Sai de manhã e às vezes passam-se dias em que nem põe os pés em casa, para desespero da minha mãe. Ela que já fuma tanto, nessas alturas então... e faz-lhe tão mal, “tu nunca toques num cigarro, ouviste? Por mim...”. Mãezinha, eu por ti faço qualquer coisa, mas fumar fazia de mim estúpido e isso eu não sou. Acho que devia trabalhar, afinal já tenho nove anos, e sempre ajudava alguma coisa, mas tu dizes sempre que não, “estás tolinho! vais é estudar e tirar um curso, vá promete”. Eu prometo, sim, gosto de estudar e aprender coisas mas...”mas nada. Vais estudar e acabou!”, diz ela.Às vezes, à noite, oiço a minha mãezinha chorar. Vou ter com ela e ela logo disfarça, “constipei-me”, mas eu sei que não está constipada, que está a chorar. Pergunto-lhe se posso dormir com ela, “não estás grande?”, não, e sei que ela gosta, abraça-me e embala-me como se fosse pequenino outra vez, e chama-me "“eu amor"” Às vezes sinto-me muito feliz, muito mais quando ela sorri porque também está feliz... A minha mãezinha fica tão bonita quando sorri!!
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